segunda-feira, 15 de agosto de 2011

SATÂNIA (OLAVO BILAC, DO LIVRO SARÇAS DE FOGO)


SATÂNIA

Nua, de pé, solto o cabelo às costas,Sorri. Na alcova perfumada e quente,Pela janela, como um rio enormeDe áureas ondas tranqüilas e impalpáveis,Profusamente a luz do meio-diaEntra e se espalha palpitante e viva.Entra, parte-se em feixes rutilantes,Aviva as cores das tapeçarias,Doura os espelhos e os cristais inflama.Depois, tremendo, como a arfar, deslizaPelo chão, desenrola-se, e, mais leve,Como uma vaga preguiçosa e lenta,Vem lhe beijar a pequenina ponta
Do pequenino pé macio e branco.
Sobe... cinge-lhe a perna longamente;Sobe... - e que volta sensual descrevePara abranger todo o quadril! - prossegue.Lambe-lhe o ventre, abraça-lhe a cintura,Morde-lhe os bicos túmidos dos seios,Corre-lhe a espádua, espia-lhe o recôncavoDa axila, acende-lhe o coral da boca,E antes de se ir perder na escura noite,Na densa noite dos cabelos negros, Pára confusa, a palpitar, diante 
Da luz mais bela dos seus grandes olhos.
E aos mornos beijos, às carícias ternasDa luz, cerrando levemente os cílios,Satânia os lábios úmidos encurva,E da boca na púrpura sangrentaAbre um curto sorriso de volúpia...Corre-lhe à flor da pele um calefrio;Todo o seu sangue, alvoroçado, o cursoApressa; e os olhos, pela fenda estreitaDas abaixadas pálpebras radiando,Turvos, quebrados, lânguidos, contemplam,
Fitos no vácuo, uma visão querida...
Talvez ante eles, cintilando ao vivoFogo do ocaso, o mar se desenrole:Tingem-se as águas de um rubor de sangue,Uma canoa passa... Ao largo oscilamMastros enormes, sacudindo as flâmulas...E, alva e sonora, a murmurar, a espumaPelas areias se insinua, o limo
Dos grosseiros cascalhos prateando...
Talvez ante eles, rígidas e imóveis,Vicem, abrindo os leques, as palmeiras:Calma em tudo. Nem serpe sorrateiraSilva, nem ave inquieta agita as asas.E a terra dorme num torpor, debaixo
De um céu de bronze que a comprime e estreita...
Talvez as noites tropicais se estendam Ante eles: infinito firmamento, 
Milhões de estrelas sobre as crespas águas
De torrentes caudais, que, esbravejando,Entre altas serras surdamente rolam...Ou talvez, em países apartados,Fitem seus olhos uma cena antiga:Tarde de Outono. Uma tristeza imensaPor tudo. A um lado, à sombra deleitosa
Das tamareiras, meio adormecido,
Fuma um árabe. A fonte rumorejaPerto. À cabeça o cântaro repleto,Com as mãos morenas suspendendo a saia,Uma mulher afasta-se, cantando.E o árabe dorme numa densa nuvemDe fumo... E o canto perde-se à distância...
E a noite chega, tépida e estrelada...
Certo, bem doce deve ser a cena Que os seus olhos extáticos ao longe,Turvos, quebrados, lânguidos, contemplam.Há pela alcova, entanto, um murmúrioDe vozes. A princípio é um sopro escasso,Um sussurrar baixinho.. . Aumenta logo:É uma prece, um clamor, um coro imensoDe ardentes vozes, de convulsos gritos.É a voz da Carne, é a voz da Mocidade,- Canto vivo de força e de beleza,
Que sobe desse corpo iluminado...
Dizem os braços: "- Quando o instante doceHá de chegar, em que, à pressão ansiosaDestes laços de músculos sadios,
Um corpo amado vibrará de gozo? -"
E os seios dizem: "- Que sedentos lábios, Que ávidos lábios sorverão o vinho 
Rubro, que temos nestas cheias taças?
Para essa boca que esperamos, pulsa Nestas carnes o sangue, enche estas veias, 
E entesa e apruma estes rosados bicos... -"
E a boca: "- Eu tenho nesta fina conchaPérolas níveas do mais alto preço,E corais mais brilhantes e mais purosQue a rubra selva que de um tino mantoCobre o fundo dos mares da Abissínia...Ardo e suspiro! Como o dia tardaEm que meus lábios possam ser beijados,
Mais que beijados: possam ser mordidos -"
(SEA SERPENTS - GUSTAV KLINT)
Mas, quando, enfim, das regiões descendoQue, errante, em sonhos percorreu, SatâniaOlha-se, e vê-se nua, e, estremecendo,Veste-se, e aos olhos ávidos do diaVela os encantos, - essa voz declina
Lenta, abafada, trêmula...

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